quinta-feira, 4 de março de 2010

Uma experiência do neurocientista americano Michael Persinger, batizada “O Capacete de Deus”.

A fé que faz bem à saúde

Publicado Thursday, March 26th, 2009 as 1:58 pm. Categoría: Estudos

Novos estudos mostram que o cérebro é “programado” para acreditar em Deus - e que isso nos ajuda a viver mais e melhor

Letícia Sorg. Colaborou Marcela Buscato

A capacidade inata de procurar a explicação de um fenômeno é uma das diferenças entre o ser humano e outros animais. O homem primitivo não tinha como entender eventos mais complexos, como a erupção de um vulcão, um eclipse ou um raio. A busca de explicações sobrenaturais pode ser considerada natural. Mas por que ela desembocou na fé e no surgimento das religiões? Cientistas de diferentes áreas se debruçaram sobre a questão nos últimos anos e chegaram a conclusões surpreendentes. Não só a fé parece estar programada em nosso cérebro, como teria benefícios para a saúde.

Com sua intuição genial, Charles Darwin, criador da teoria da evolução há 150 anos, já havia registrado ideia semelhante no livro A descendência do homem, em 1871: “Uma crença em agentes espirituais onipresentes parece ser universal”. “Somos predispostos biologicamente a ter crenças, entre elas a religiosa”, diz Jordan Grafman, chefe do departamento de neurociência cognitiva do Instituto Nacional de Distúrbios Neurológicos e Derrame (leia a entrevista). Grafman é o autor de uma das pesquisas mais recentes sobre o tema, publicada neste mês na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences.

Em seu estudo, Grafman analisou o cérebro de 40 pessoas - religiosas e não religiosas - enquanto liam frases que confirmavam ou confrontavam a crença em Deus. Usando imagens de ressonância magnética funcional - que mede a oxigenação do cérebro -, o neurocientista descobriu que as partes ativadas durante a leitura de frases relacionadas à fé eram quase as mesmas usadas para entender as emoções e as intenções de outras pessoas. Isso quer dizer, segundo Grafman, que a capacidade de crer em um ser ou ordem superior possivelmente surgiu ao mesmo tempo que a habilidade de prever o comportamento de outra pessoa - fundamental para a sobrevivência da espécie e a formação da sociedade. E para estabelecer relações de causa e efeito. A interferência de um ser muito poderoso seria uma explicação eficiente para aplacar a necessidade de entender o que não se consegue explicar com o conhecimento comum.

Mas o que levaria o ser humano, dotado de razão, a acreditar que um velhinho de barba branca, em cima de uma nuvem, atira raios sobre a Terra? Ou que 72 virgens aguardam os fiéis no Paraíso? “Tendemos a atribuir características humanas às coisas, inclusive ao ser divino”, diz Andrew Newberg, neurocientista da Universidade da Pensilvânia (leia a entrevista), autor de outro importante estudo sobre o poder da meditação e da oração. “A crença religiosa surgiu como um efeito colateral da maneira como nossa mente é organizada, da maneira como ela funciona naturalmente”, diz Justin Barrett, antropólogo e professor da Universidade de Oxford.

Para Barrett, autor do livro Why would anyone believe in God? (”Por que alguém acreditaria em Deus?”), há evidências de que os sistemas religiosos ajudam a manter comunidades unidas - a dividir, a confiar, a construir redes sociais mais fortes. Barrett afirma que a mente das crianças é um exemplo de como a fé se manifesta precocemente. Em uma das experiências, pesquisadores mostraram uma caixa de biscoitos às crianças e perguntaram a elas o que havia dentro. Como não são bobas, as crianças responderam: “Biscoitos”. Ao abrir a caixa, o que encontravam eram pedras. Então, os cientistas perguntaram às mesmas crianças o que suas mães achariam que havia dentro da lata e o que Deus diria se visse a lata. As crianças de 3 anos disseram que as mães, assim como Deus, diriam que havia pedras. A partir dos 5 anos, elas responderam que a mãe diria “biscoitos”, mas que Deus responderia “pedras”.

Já se chegou a pensar que uma espécie de curto-circuito na parte lateral do cérebro pudesse gerar casos de religiosidade extrema. Ficou famosa uma experiência do neurocientista americano Michael Persinger, batizada “O Capacete de Deus”: um capacete que estimulava eletricamente o cérebro do usuário. Segundo Persinger, oito em cada dez pessoas, qualquer que fosse a confissão religiosa, diziam experimentar um “sentimento religioso” ao vestir o aparato. Mas a maioria dos estudos científicos recentes - sejam eles baseados em imagens do cérebro ou no comportamento humano - afastou a hipótese de que a experiência religiosa seja o mero efeito de estímulos eletromagnéticos em uma parte específica do cérebro. O biólogo evolucionista pop e “ateu militante” Richard Dawkins chegou a usar o capacete para um documentário da BBC britânica. Não conseguiu “encontrar Deus” - só desconforto para respirar e mexer-se. Hoje, Persinger se defende das críticas a seu estudo. “A ‘estimulação religiosa’ reduz a ansiedade e pode ser útil para melhorar a cooperação social”, disse.

Em 2004, o cientista americano Dean Hamer chegou a divulgar que havia descoberto um gene ligado à fé. Publicou o livro O gene de Deus. Batizado vmat2, seria responsável pelo transporte de mensageiros cerebrais, entre eles a serotonina, além de gerar o pensamento religioso. Polêmico na academia desde que anunciou a descoberta de um “gene gay”, supostamente responsável pela homossexualidade masculina, Hamer e seu livro foram acolhidos com ceticismo. Para Jordan Grafman, explicações únicas são insuficientes para elucidar a origem da fé em algo divino. A imprensa batizou seu estudo de “God spot” (o “ponto de Deus”), um trocadilho com o suposto “ponto G”, responsável pelo orgasmo feminino. “O ‘ponto de Deus’ é tão mítico quanto o ponto G”, diz Grafman, irônico. Andrew Newberg também descarta explicações simplistas. Vários estudos demonstraram uma relação entre experiências religiosas e certos tipos de desordem cerebral. “Mas essas associações não podem ser a única resposta”, diz Newberg. Apenas uma pequena porcentagem das pessoas que sofrem de epilepsia no lobo temporal tem esse tipo de experiência.

Newberg, que estuda as manifestações cerebrais da fé há pelo menos 15 anos, descobriu que as práticas religiosas acionam, entre outras regiões do cérebro, os lobos frontais, responsáveis pela capacidade de concentração, e os parietais, que nos dão a consciência de nós mesmos e do mundo. Em seu novo livro, How God changes the brain (”Como Deus muda seu cérebro”), que será lançado nesta semana nos Estados Unidos, Newberg explora os efeitos da fé sobre o cérebro e a vida das pessoas. Segundo o neurocientista, os estudos anteriores olhavam para os efeitos de curto prazo de práticas como a meditação e a oração. Agora, ele e seu grupo encararam a difícil tarefa de responder à questão: o que acontecerá se você adotar, com frequência, uma prática como a meditação ou a prece?

Fotos: Marco Simoni/Getty Images e James Marshall/Getty Images

FÉ UNIVERSAL
No sentido horário, a partir do alto à esquerda, budistas, cristãos ortodoxos, muçulmanos e judeus oram e meditam. Darwin já notara a universalidade da crença religiosa

Fotos: Stefan Boness/Panos

O grupo de Newberg analisou o cérebro de pessoas que meditam e oram rotineiramente e notou os resultados dessas práticas para o cérebro e para as pessoas. No livro, ele lista nove técnicas de meditação (leia o quadro) que podem ser adotadas por crentes ou ateus. Numa delas, a pessoa se concentra em um tipo de diálogo interno. “Descobrimos que essa prática ajuda as pessoas a criar intimidade, a interagir com as outras e a se comunicar com quem elas conhecem ou não”, diz Newberg.

Ainda estão sendo feitos estudos para compreender melhor a meditação e a prece, mas a pesquisa de Newberg mostra que, durante essas atividades, o lobo frontal fica mais ativo, e o lobo parietal menos. Como essa parte do cérebro é responsável pela noção de tempo e espaço, “desligá-la” geraria a sensação de imersão no mundo e a de ausência de passado e futuro muitas vezes relatadas por religiosos. A maior atividade do lobo frontal, além de melhorar a memória, segundo vários estudos também estaria ligada à diminuição da ansiedade. “Quando a pessoa volta sua atenção para o momento presente, não há riscos porque não há futuro”, diz Paulo de Tarso Lima, médico especializado em medicina integrativa e complementar e responsável pela implantação da especialidade dentro do Hospital Albert Einstein, em São Paulo. O simples fato de acreditar em um ser superior - seja ele qual for - reduziria a ansiedade.

Dois estudos canadenses publicados neste mês mostram que quem crê em Deus tende a lidar melhor com os erros. O grupo de pesquisa, liderado pelo professor de psicologia Michael Inzlicht, da Universidade de Toronto, pediu a pessoas de várias orientações religiosas e também àquelas que não creem em Deus que elas dissessem os nomes das cores que apareciam a sua frente. Quando elas cometiam um erro, uma área do cérebro chamada “córtex cingulado anterior” era ativada. “Quanto mais forte a religiosidade e a crença em Deus dos participantes, menor era a resposta dessa região ao erro”, diz Inzlicht. Isso seria uma evidência de que as pessoas religiosas ficam mais calmas diante de um erro. “Suspeitamos que a crença religiosa protege contra a ansiedade porque dá um sentido para as pessoas. Ajuda-as a saber como agir e, com isso, reduz a incerteza e o estresse”, afirma Inzlicht.

 Divulgação

MENTE ATIVA
Um monge budista é submetido a um eletroencefalograma. Nos últimos anos, vários estudos analisaram a atividade cerebral de quem ora ou medita

A influência da crença em Deus na redução do estresse já é quase um consenso entre os médicos. “As doenças relacionadas ao estresse, especialmente as cardiovasculares, como a hipertensão, o infarto do miocárdio e o derrame, parecem ser as que mais se beneficiam dos efeitos de uma espiritualidade bem desenvolvida”, afirma Marcelo Saad, outro médico do Albert Einstein. Doutor em reabilitação, Saad é especializado em acupuntura e faz parte do programa de medicina integrativa e complementar do hospital.

Para ser benéfica, a fé em Deus teria de ser associada à prática religiosa? Várias pesquisas mostram que participar de um grupo religioso estruturado - seja ele católico, budista, judeu, evangélico, umbandista - traz benefícios por aumentar o suporte social à pessoa. “Esse apoio social é algo extremamente valioso para a saúde física, inclusive para a sobrevivência e a longevidade”, diz o psicólogo americano Michael McCullough, professor da Universidade de Miami que estuda a maneira como a religião molda a personalidade e influencia hábitos saudáveis e relacionamentos sociais. Ao realizar um “metaestudo” de 42 pesquisas diferentes, o psicólogo descobriu que as pessoas altamente religiosas tinham 29% a mais de chance de estar vivas, em determinado momento do futuro, que as demais. A religiosidade tornaria mais fácil resistir a tentações nocivas à saúde, como o álcool e o fumo. “Para pessoas que acreditam na vida após a morte, pode ser uma decisão racional postergar os prazeres de curto prazo em nome da recompensa eterna”, afirma McCullough.

Robert Hummer, sociólogo e professor da Universidade do Texas, acompanha um grupo de pessoas desde 1992 para tentar esclarecer, entre outras questões, a relação entre a religião e a saúde. Segundo sua pesquisa, quem nunca praticou uma religião tem um risco duas vezes maior de morrer nos próximos oito anos do que alguém que a pratica uma vez por semana. “As evidências da influência da fé na saúde são promissoras e mais que justificam o investimento em outros estudos”, afirma o neurologista brasileiro Jorge Moll, diretor do Centro de Neurociência da Rede Labs-D’Or, rede de laboratórios particular do Rio de Janeiro. Para Moll, o desafio é quantificar a influência da fé e tentar compará-la com o efeito de outras práticas sem conotação religiosa. “A prece e a meditação podem ter vários benefícios. Mas será que a ioga não tem o mesmo resultado?”, diz Moll, que colaborou com Jordan Grafman em vários estudos sobre o funcionamento do cérebro na tomada de decisões morais.

Como trazer isso para dentro dos consultórios e hospitais? Os pacientes não esperam que médicos conversem sobre a fé. Marcelo Saad, do Albert Einstein, reconhece que os profissionais de saúde não são treinados para discutir esse assunto, mas que podem iniciar o diálogo fazendo perguntas simples, como: “Quão importante é a fé em sua vida?” ou “Você gostaria de discutir assuntos religiosos?”. Conforme a resposta, o médico pode sugerir que ele retome a prática religiosa de sua preferência. “Não tem sentido negar a influência da religião na vida das pessoas, especialmente no Brasil, onde 99% da população acredita em Deus”, afirma o médico Paulo de Tarso Lima, que classifica como um desserviço não acolher esse elemento nos consultórios e nos hospitais. Isso significa que todos devem adotar a fé em nome da saúde, assim como se pratica esporte ou se faz dieta? Para quem crê, talvez a resposta seja sim. Mas, para as pessoas que não creem em uma força superior, não necessariamente. “Parece que os benefícios sobre a saúde são incidentais”, diz o psicólogo Michael McCullough. “Ironicamente, ser religioso em busca dos efeitos benéficos para a saúde não dá a ninguém a certeza de que isso vai surtir o efeito esperado.”

Um comentário:

  1. Olá,

    Gostei muito do seu blog.

    fiz uma postagem da imagem "Gráfico das Religiões" (com a devida autoria) no AeA (http://www.ateueatoa.com/) a postagem sairá dia 19/07/2010.

    Aproveitando a oportunidade, gostaria de convida-lo para a Rede social do AeA http://grou.ps/ateueatoa

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